segunda-feira, 1 de outubro de 2012

101 dias em três capítulos


            Presenciar uma guerra não é fácil. Presenciar uma guerra no Iraque- país muito conservador e, há pouco tempo, comandado por um ditador- é mais complicado do que parece. Estar na guerra antes, durante e depois é considerado um privilégio para jornalistas. Eles passam por qualquer situação para conseguir aquele furo ou aquela história que ninguém viu surgir no meio da multidão apavorada. Mas o medo, a angustia, e, principalmente, a coragem andam juntos dos correspondentes.
Asne Seierstad, norueguesa e já conhecida pelo livro “O livreiro de Cabul”, embarcou nessa aventura um tanto peculiar. Em seu livro “101 dias em Bagdá” conta que foi por vontade própria que resolveu ir ao Iraque em 2003 conhecer a guerra que estava por estourar no país. Já havia coberto outras guerras no Oriente médio e ficou conhecida como correspondente de guerras.
Seu livro é dividido em três capítulos: Antes, Durante e Depois. Conta como foi a sua chegada em Bagdá e o sufoco para conseguir um visto de jornalista. Diferentemente de qualquer outro país, no Iraque os jornalistas são observados o tempo todo e precisam de autorização para visitar cidades, bairros e edifícios; e até para falarem com pessoas nas ruas. Cada um tem seu próprio tradutor designado pelo Ministério da Informação, obviamente controlado pelo governo de Saddam Hussein. Asne primeiramente teve um tradutor que não a ajudava com as suas perguntas pois seguia fielmente as regras do ministério mas depois foi “abençoada” com Aliya que a ajudou a entender muitas vozes iraquianas.
Antes e durante a guerra ninguém falava nada sobre o governo. Todos ficavam calados ou tinham “frases prontas”. Dessa maneira não chegaria a verdade, não iria ouvir o que o povo do Iraque realmente pensava. Um homem lhe disse uma vez antes da guerra explodir:  “Ninguém diz a verdade, ninguém. Você pode parar de perguntar.”(p.107) Mas como uma boa jornalista ela não parou. Registrou histórias comoventes de iraquianos que queriam sair da cidade mas não podiam; outros que queriam ficar para proteger o seu país; famílias armazenando alimentos e água desesperadamente. São tantas história diferentes e tantos nomes parecidos que perde-se a conta.
Em seu livro conseguimos refletir muito bem sobre a guerra contra os Estados Unidos. Vemos um lado que ninguém mostra tão detalhadamente. Conseguimos entender e até sentir um pouco do medo que se passava naquele país. As pessoas não queriam que acontecesse uma guerra mas ao mesmo momento queriam se libertar do regime. Mas a ditadura era tão forte que nem mesmo o povo conseguiu fazer uma rebelião contra o presidente.
Chega a um momento em que não sabe se fica para cobrir a guerra ou se vai embora com medo. Asne suborna pessoas de alto cargo para poder continuar no país enquanto os outros jornalista estão pagando para irem embora. Não queria perder essa chance. Afinal é uma jornalista. Excepcionalmente uma vez disse a um menino que fazia parte de um escudo humano para voltar para casa. “Afastei-me demais do meu papel de repórter: observar e testemunhar, sem empatia ou emoção.”(p.142) Logo a guerra começaria e milhares de pessoas inocentes morreriam. O seu papel era transmitir para o que o Iraque ou os Estados Unidos não deixavam o mundo ver. Correu o risco de usar o telefone via satélite e fazer transmissões de dentro do hotel, mas o seu dever era informar e não podia decepcionar os seus leitores ou espectadores.
Por mais que tenha corrido risco de morte, Asne não deixou de cumprir o seu papel de informante. Seu livro é o que jornalistas do mundo inteiro procuram: um lado diferente da história. Com ajuda da sua fiel tradutora e de seu motorista (Amir) ela encontrou a ambiguidade do regime. Por mais que os súditos de Saddam lutassem por ele, eles lutavam pela liberdade acima de tudo. Depois, mesmo sendo xiita ou sunita, quando finalmente se sentiram libertos gritaram, alguns agradecendo aos americanos outros odiando os mesmos. Mas todos gritavam pela liberdade, ainda que fosse apenas dentro de suas cabeças.


Jornalismo e seus seguidores éticos


            Todo jornalista sempre ouve as mesmas coisas quando está começando: “Você tem que buscar a verdade”; “Apure bem os fatos antes de publicar”; “Cheque tudo, sempre”; etc. Mas frases soltas não ajudam ninguém. É preciso explicar e dar exemplos que fazem os aspirantes à carreira realmente entenderem os fundamentos do jornalismo.
            No livro “Os elementos do jornalismo” (2001), Bill Kovach e Tom Rosenstiel nos ensinam, através de histórias, os dez elementos básicos do jornalismo. Nas 293 páginas (versão em português) não só jornalistas mas qualquer outra pessoa entende a mensagem.

            Os dois autores tiveram a ideia do livro a partir do grupo que formaram, autodenominado “Comitê dos jornalistas preocupados” onde eles se encontram para discutir problemas que existem mas que nem todos observam o suficiente. Por exemplo, no capítulo “Independência das Facções” eles afirmam: “O jornalismo produzido por gente com perspectivas diferentes é melhor do que qualquer outro produzido sob um ponto de vista individual.”(p.161) Essa frase resume a ideia de que o jornalismo não deve ser direcionado somente para uma camada para a população. Eles propõe a convocação de pessoas de outras áreas para diversificar as classes sociais compostas dentro de um jornal.
            Uma das histórias contada em maiores detalhes é a de Cody Shearer, usada para exemplificar o capítulo “Jornalismo como um fórum público”. No programa de talk show, Chris Matthews, apresentador, entrevistava Kathleen Willye. Ela dizia ter sido ameaçada, enquanto fazia jogging, por um homem. Chris queria que ela dissesse em rede nacional e ao vivo o nome deste homem. Ele queria que ela dissesse “Cody Shearer” e mesmo não falando exatamente esse nome, Matthews conseguiu “arrancar” de sua boca frases que praticamente relatavam Cody, ou seja, ela não disse o nome mas fez com que as pessoas tirassem suas próprias conclusões, no caso, uma conclusão: foi Cody quem ameaçou Kathleen. Logo depois do fim do programa, Shearer também foi ameaçado, mas de morte. Conclusão: a opinião pública virou a notícia e não a notícia gerou opinião pública.
            Outro exemplo, relacionado a este, é o de Larry Klayman no programa de tv “Crossfire”. Ele e os apresentadores Bill Press e Robert Novak entraram em uma discussão tremenda no programa ao vivo por causa do ex-presidente dos Estados Unidos Bill Clinton. Larry afirmava que o presidente, na época, deveria receber o impeachment. O por que não é tão importante para o livro. O verdadeiro propósito é exemplificar como uma conversa para ajudar o público a entender um assunto torna-se um verdadeiro escândalo em rede nacional. Os três devem ter ficado bem envergonhados quando reviram o episódio, pois suas opiniões foram expressadas tão fortemente que suas imagens ficaram danificadas. “Existe uma diferença entre um fórum público e uma bagunça barulhenta(...)”(p.213)
            Através desses contos factuais, os autores conectam com o leitor prendendo a atenção deste até o final. Mesmo se repetindo algumas vezes durante os capítulos, a mensagem é passada muito bem. Os dez elementos são importantes para entender como funciona a ética jornalística, afinal não tem como não pensar na ética. Quando escrevemos uma notícia, por exemplo, por mais que tentemos ser neutros não dá. A neutralidade, como é dito no livro, é na verdade objetividade. A nossa opinião sempre aparece em nossos textos por mais sútil que seja.
            Por causa de uma reunião de jornalistas, Bill Kovach e Tom Rosenstiel construíram um guia atual sobre a profissão. No meio de discussões entre os jornalistas presentes no grupo saíram grandes ideias para formar um livro onde, por mais que sejam baseadas em problemas no jornalismo americano, servem para qualquer país. Os problemas estão presentes em qualquer jornal, mas nunca pensaram em como resolvê-los. Como dizem os autores: “Qualquer um pode ser jornalista, mas nem todos são.”(p.151)

O básico do Jornalismo com um toque de humor


            Não existe fórmula para ser um bom jornalista, mas há sempre dicas de veteranos que podem ajudar os aspirantes à carreira. Nenhum deles vai dizer que um jornalista tem que ser perfeito, mas chegam quase lá.
            Ricardo Noblat, nascido em Recife em 1949, fez a sua contribuição aos calouros dos jornais. Em 2002 publicou seu livro “A arte de fazer um jorna diário” pela editora Contexto. As 174 páginas são preenchidas com o que fazer e o que não fazer em um jornal. Além de comentários sarcásticos e diretos.
            Começando o livro Noblat fala sobre o futuro dos jornais, que segundo ele, não é ameaçado primeiramente pela existência da internet, mas sim pela maneira em que eles estão sendo administrados e modelados. Um jornal é um meio de comunicação muito expressivo. Nas palavras do autor: “(...) é ou deveria ser um espelho de consciência crítica de uma comunidade em determinado espaço de tempo. Um espelho que reflita com nitidez a dimensão aproximada ou real dessa  consciência.” (p.21).
Falando quase sempre diretamente com o leitor, ele explica o quanto a profissão é importante, mas não tão importante a ponto de jornalistas acharem que são Deus. Pegar uma “fofoca” e colocar em um jornal não é noticia. Não tem fatos, não tem história, é apenas um boato. E se, principalmente, acabar não sendo verdade, quem a publicou, sofre.
            “A boa notícia vende.” Não precisa ser necessariamente boa ou necessariamente uma tragédia, mas esta é o que acabamos encontrando mais. As notícias “ruins” são exceções a regra, segundo Noblat. Coisas boas são normais, as “más” dão notícia, vendem.
            Outro ponto citado é sobre a questão de venda de jornais. O quanto um jornalista inventaria, ou não contaria para vender mais. Às vezes acontece de uma notícia ser vendável mas mentirosa. Diferente destas, são as notícias que contém algum erro mas depois são corrigidas. Não é humano errar? Corrigir o erro é melhor do que humano, no caso de jornalistas, é um dever que eles tem com os seus leitores. Um repórter que faz grandes reportagens mas nunca apura bem os fatos não vai ser tão bem visto quanto aquele que tem todos os seus fatos muito bem apurados em uma reportagem pequena. As pessoas não vão confiar no autor que não apura corretamente, ou que erram e não se corrigem.
            Levando a questão de apuração adiante ele fala sobre detalhes e como estes podem levar uma simples reportagem a ser uma enorme reportagem. O que acontecer de grandioso vai aparecer em todos os jornais do mundo e quase sempre da mesma forma. Mas se a sua reportagem conter algum detalhe especial, ou algum lado da historia que ninguém contou, ela vai ser diferente. Ser diferente entre as outras milhões de reportagens é o que conta. Um caso contado no livro é a reportagem de Elio Gáspari sobre o velório do grupo “Mamonas Assassinas” em 1996. O modo em que Gáspari descreveu a cena foi um exemplo de como os detalhes contam uma história melhor. Ele deu informações que não foram dadas por nenhum outro repórter e isso fez da sua matéria, única.
            Através de seu humor crítico, o autor, nos passa uma lição muito importante e curiosa sobre ser jornalista. “Sejam burros acima de tudo”. Como seriam os jornalistas, burros? Não vivem dizendo que eles têm que saber um pouco de tudo e mais? Pois é exatamente por isso que têm que ser burros. Jornalista tem que perguntar até não saber mais o que perguntar, até ter informações o suficiente para escrever a sua matéria. Só não pode ser burro de verdade a ponto de não ter um excelente português, fundamental para a profissão.
            No meio de dicas, comentários, histórias, exemplos, e humor o livro de Noblat nos faz pensar com algumas reportagens muito bem escritas; nos diverte com alguns de seus comentários extremamente diretos; nos faz perceber detalhes da profissão que são essenciais. Gera uma reflexão sobre o que é basicamente ser um jornalista. Ser o informante do que acontece no mundo do seu jeito, usando sua melhor maneira de informar: escrevendo.